quarta-feira, 30 de abril de 2008

Origem Feminina



Existem várias lendas sobre a origem da Mulher. Uma diz que Deus pôs o primeiro homem a dormir, inaugurando assim a anestesia geral, tirou uma de suas costelas e com ela fez a primeira mulher. E que a primeira provação de Eva foi cuidar de Adão e agüentar o seu mau humor, enquanto ele convalescia da operação. Uma variante desta lenda diz que Deus, com seu prazo para a Criação estourado, fez o homem às pressas, pensando “Depois eu melhoro”, e mais tarde, com tempo, fez um homem mais bem-acabado, que chamou Mulher, que é “melhor” em aramaico. Outra lenda diz que Deus fez a mulher primeiro, e caprichou nas suas formas, e aparou aqui e tirou dali, e com o que sobrou fez o homem só para não jogar barro fora. Zeus teria arrancado a mulher de sua própria cabeça.Alguns povos nórdicos cultivam o mito da Grande Ursa Olga, origem de todas as mulheres do mundo, o que explica o fato das mulheres se enrolarem periodicamente em pêlos de animais, cedendo a um incontrolável impulso atávico, nem que seja só para experimentar, na loja, e depois quase desmaiar com o preço. Em certas tribos nômades do Meio Oriente ainda se acredita que a mulher foi, originariamente, um camelo, que na ânsia de servir seu mestre de todas as maneiras foi se transformando até adquirir sua forma atual. No Extremo Oriente existe a lenda de que as mulheres caem do céu, já de kimono.E em certas partes do Ocidente persiste a crença de que mulher se compra através dos classificados, podendo-se escolher idade, cor da pele e tipo de massagem. Todas estas lendas, claro, têm pouco a ver com a verdade científica. Hoje se sabe que o Homem é o produto de um processo evolutivo que começou com a primeira ameba a sair do mar primevo, e é o descendente direto de uma linha específica de primatas, tendo passado por várias fases até atingir o seu estágio atual e aí encontrar a Mulher, que ninguém ainda sabe de onde veio. É certamente ridículo pensar que as mulheres também descendem de macacos. A minha mãe, não! Uma das teses mais aceitáveis sobre o papel da mulher na evolução do homem é a de que o primeiro encontro entre os dois se deu no período paleolítico, quando um homo-sapiens mas não muito, chamado, possivelmente, Ugh, saiu para caçar e avistou, sentado numa pedra, penteando os cabelos, um ser que lhe provocou o seguinte pensamento, em linguagem de hoje: ”Isso é que é mulher e não aquilo que tenho na caverna”.Ugh aproximou-se da mulher e, naquele seu jeitão, deu a entender que queria procriar com ela. ”Agh maakgrom grom”, ou coisa parecida. A mulher olhou-o de cima a baixo e desatou a rir. É preciso lembrar que Ugh, embora fosse até bem apessoado pelos padrões da época, era pouco mais do que um animal aos olhos da mulher. Tinha a testa estreita e as mandíbulas pronunciadas e usava gordura de mamute nos cabelos.
A mulher disse alguma coisa como “Você não se enxerga, não?” e afastou-se, enojada, deixando Ugh desolado. Antes dela desaparecer por completo, Ugh ainda gritou: “Espera uns 10 mil anos pra você ver!”, e de volta à caverna exortou seus companheiros a aprimorarem o processo evolutivo. Desde então, o objetivo da evolução do homem foi o de proporcionar um par à altura para a mulher, para que, vendo o casal, ninguém dissesse que ela só saía com ele pelo dinheiro, ou para espantar assaltantes. Se não fosse por aquele encontro fortuito em alguma planície do mundo primitivo, o homem ainda seria o mesmo troglodita desleixado e sem ambição, interessado apenas em caçar e catar seus piolhos, e um fracasso social. Mas de onde veio a primeira mulher, já que podemos descartar tanto a evolução quanto as fantasias religiosas e mitológicas sobre a criação? Inclino-me para a tese da origem extraterrena. A mulher viria (isto é pura especulação, claro) de outro planeta.Venho observando-as durante anos - inclusive casei com uma, para poder estudá-las mais de perto - e julgo ter colecionado provas irrefutáveis de que elas não são deste mundo. Observei que elas não têm os mesmos instintos que nós, e volta e meia são surpreendidas em devaneio, como que captando ordens de outra galáxia, embora disfarcem e digam que só estavam pensando no jantar. Têm uma lógica completamente diferente da nossa. Ultimamente têm tentado dissimular sua peculiaridade, assumindo atitudes masculinas efazendo coisas - como dirigir grandes empresas e xingar a mãe do motorista ao lado - impensáveis há alguns anos, o que só aumenta a suspeita de que se trata de uma estratégia para camuflar nossas diferenças, que estavam começando a dar na vista. Quando comentamos o fato, nos acusam de ser machistas, presos a preconceitos e incapazes de reconhecer seus direitos, ou então roçam a nossa nuca com o nariz, dizendo coisas como “ioink, ioink” que nos deixam arrepiados e sem argumentos. Claramente combinaram isto. Estão sempre combinando maneiras novas de impedir que se descubra que são alienígenas e têm desígnios próprios para a nossa terra. É o que fazem, quando vão, todas juntas, ao banheiro, sabendo que não podemos ir atrás para ouvir.Muitas vezes, mesmo na nossa presença, falam uma linguagem incompreensível que só elas entendem, obviamente um código para transmitir instruções do Planeta Mãe. E têm seus golpes baixos. Seus truques covardes. Seus olhos laser, claros ou profundamente escuros, suas bocas. Meu Deus, algumas até sardas no nariz. Seus seios, aqueles mísseis inteligentes. Aquela curva suave da coxa, quando está chegando no quadril, e a Convenção de Genebra não vê isso!E as armas químicas - perfumes, loções, cremes. São de uma civilização superior, o que podem nossos tacapes contra os seus exércitos de encantos? Breve dominarão o mundo. Breve saberemos o que elas querem. Se depois de sair este artigo, eu for encontrado morto com sinais de ter sido carinhosamente asfixiado, como um sorriso, minha tese está certa. Se nada me acontecer, sinal de que a tese está certa, mas elas não temem mais o desmascaramento. O que elas querem, afinal? Se a mulher realmente veio ao mundo para inspirar o homem a melhorar e ser digno dela, pode ter chegado à conclusão de que falhou, que este velho guerreiro nunca tomará jeito. Continuaremos a ser mulheres com defeito, uma experiência menor num planeta inferior. O que sugere a possibilidade de que, assim como veio, a mulher está pronta a partir, desiludida conosco. E se for isso que elas conspiram nos banheiros? A retirada? Seríamos abandonados à nossa própria estupidez. Elas levariam as suas filhas e nos deixariam com caras de Ugh. Posso ver o fim da nossa espécie. Nossos melhores cientistas abandonando tudo e se dedicando a intermináveis testes com a costela, depois de desistir da mulher sintética. Tentando recriar a mágica da criação. Uma mulher, qualquer mulher, de qualquer jeito! Prometemos que desta vez não as decepcionaremos! Uma mulher! Como é que se faz uma mulher?
Luís Fernando Veríssimo

(Vitória de Samotrácia é uma escultura que representa a deusa Atena Niké (Atena que traz a vitória), cujos pedaços foram descobertos em 1863 nas ruinas do Santuário dos grandes deuses de Samotrácia, na ilha do mesmo nome, no Mar Egeu. Fazia parte de uma fonte, com a forma de proa de embarcação, em pedra calcárea, doada ao santuário provavelmente pela cidade de Rodes. Atualmente está em lugar de destaque numa escadaria do Museu do Louvre, em Paris (França). Em grego, o seu nome é Niki tis Samothrakis (Νίκη της Σαμοθράκης).)

terça-feira, 29 de abril de 2008

Dia Internacional da Dança - 29 de Abril.


"Qualquer manifestação artística antes de ser reconhecida, instituída, aprovada ou desaprovada é uma descoberta individual, uma necessidade de expressão inerente ao ser humano.

(...)Se vocação é uma aptidão natural, um desejo inabalável de realizar algo, então expressar esse desejo é a meta a cumprir. Assim nasceu em mim o desejo de dançar. Percebi que podia libertar as minhas fortes emoções dançando e que o acto, em si, de dançar era uma sensação de grande prazer e alegria. Lembro-me muito bem que, aos seis, sete, oito anos, sentia uma necessidade enorme de ser feliz, e, tal como hoje, dançar dava-me felicidade, fazia-me sentir bem. Não dançava para ser vista, julgada ou admirada. Dançava para mim quando calhava, quando me apetecia (...) fiel ao que no principio era para mim a dança."

(Isabel Ruth, bailarina portuguesa)


Pelo dia da Dança, pra minha filha Larissa: O meu desejo é que a sua relação com a dança seja assim, de pura felicidade. Besos.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Mas depois
esquece todas as danças,
e também quer dormir
como as outras crianças.
Cecília Meireles

quinta-feira, 24 de abril de 2008

terça-feira, 22 de abril de 2008

Auê, Auê!!


Descobrimento do Brasil

"Depois de 44 dias de viagem, no dia 22 de abril de 1500, a frota de Pedro Álvares Cabral vislumbrava terra firme. Os 13 navios ficaram reconhecendo a nova terra e seus habitantes, os índios. Era o início da história do Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei de Portugal, relatou detalhadamente o fato. "





Yby moetéua,

Ndê remundú,

Reicô Brasil,

Ndê, iyaissú !
Mira quá yuy sui sy catú,

Ndê, ixaissú,

Brasil!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O que o Acordo Ortográfico não viu.

Cante lá que eu canto cá (Patativa do Assaré)
Poeta, cantô de rua, Que na cidade nasceu, Cante a cidade que é sua, Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo, Aqui, Deus me ensinou tudo, Sem de livro precisá Por favô, não mêxa aqui, Que eu também não mexo aí, Cante lá, que eu canto cá.
Você teve inducação, Aprendeu munta ciença, Mas das coisa do sertão Não tem boa esperiença. Nunca fez uma paioça, Nunca trabaiou na roça, Não pode conhecê bem, Pois nesta penosa vida, Só quem provou da comida Sabe o gosto que ela tem.
Pra gente cantá o sertão, Precisa nele morá, Tê armoço de fejão E a janta de mucunzá, Vivê pobre, sem dinhêro, Socado dentro do mato, De apragata currelepe,Pisando inriba do estrepe, Brocando a unha-de-gato.
Você é muito ditoso, Sabe lê, sabe escrevê, Pois vá cantando o seu gozo, Que eu canto meu padecê. Inquanto a felicidade Você canta na cidade, Cá no sertão eu infrento A fome, a dô e a misera. Pra sê poeta divera, Precisa tê sofrimento.
Sua rima, inda que seja Bordada de prata e de ôro, Para a gente sertaneja É perdido este tesôro. Com o seu verso bem feito, Não canta o sertão dereito, Porque você não conhece Nossa vida aperreada. E a dô só é bem cantada, Cantada por quem padece.
Só canta o sertão dereito, Com tudo quanto ele tem, Quem sempre correu estreito, Sem proteção de ninguém, Coberto de precisão Suportando a privação Com paciença de Jó, Puxando o cabo da inxada, Na quebrada e na chapada, Moiadinho de suó.
Amigo, não tenha quêxa, Veja que eu tenho razão Em lhe dizê que não mêxa Nas coisa do meu sertão. Pois, se não sabe o colega De quá manêra se pega Num ferro pra trabaiá, Por favô, não mêxa aqui, Que eu também não mêxo aí, Cante lá que eu canto cá.
Repare que a minha vida É deferente da sua. A sua rima pulida Nasceu no salão da rua. Já eu sou bem deferente, Meu verso é como a simente Que nasce inriba do chão; Não tenho estudo nem arte, A minha rima faz parte Das obra da criação.
Mas porém, eu não invejo O grande tesôro seu, Os livro do seu colejo, Onde você aprendeu. Pra gente aqui sê poeta E fazê rima compreta, Não precisa professô; Basta vê no mês de maio, Um poema em cada gaio E um verso em cada fulô.
Seu verso é uma mistura, É um tá sarapaté, Que quem tem pôca leitura Lê, mais não sabe o que é. Tem tanta coisa incantada, Tanta deusa, tanta fada, Tanto mistéro e condão E ôtros negoço impossive. Eu canto as coisa visive Do meu querido sertão.
Canto as fulô e os abróio Com todas coisa daqui: Pra toda parte que eu óio Vejo um verso se bulí. Se as vêz andando no vale Atrás de curá meus male Quero repará pra serra Assim que eu óio pra cima, Vejo um divule de rima Caindo inriba da terra.
Mas tudo é rima rastêra De fruita de jatobá, De fôia de gamelêra E fulô de trapiá, De canto de passarinho E da poêra do caminho, Quando a ventania vem, Pois você já tá ciente: Nossa vida é deferente E nosso verso também.
Repare que deferença Iziste na vida nossa: Inquanto eu tô na sentença, Trabaiando em minha roça, Você lá no seu descanso, Fuma o seu cigarro mando, Bem perfumado e sadio; Já eu, aqui tive a sorte De fumá cigarro forte Feito de paia de mio.
Você, vaidoso e facêro, Toda vez que qué fumá, Tira do bôrso um isquêro Do mais bonito metá. Eu que não posso com isso, Puxo por meu artifiço Arranjado por aqui, Feito de chifre de gado,Cheio de argodão queimado, Boa pedra e bom fuzí.
Sua vida é divirtida E a minha é grande pená. Só numa parte de vida Nóis dois samo bem iguá: É no dereito sagrado, Por Jesus abençoado Pra consolá nosso pranto, Conheço e não me confundo Da coisa mió do mundo Nóis goza do mesmo tanto.
Eu não posso lhe invejá Nem você invejá eu, O que Deus lhe deu por lá, Aqui Deus também me deuPois minha boa muié, Me estima com munta fé, Me abraça, beja e qué bem E ninguém pode negá Que das coisa naturá Tem ela o que a sua tem.
Aqui findo esta verdade Toda cheia de razão: Fique na sua cidade Que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um ispeio, Já lhe dei grande conseio Que você deve tomá. Por favô, não mexa aqui, Que eu também não mêxo aí, Cante lá que eu canto cá.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Poema dos Olhos da Amada

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.
(Vinícius de Moraes - cantado po Bethânia)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Segunda-feira, chuva fina, nostalgia.

(Abrazo - Pablo Picasso, pintor espanhol)


"Talvez me encontres

Na décima curva do vento

Molhada ainda do sangue das virgens do sacrifício

Por entre a febre

A arder."

(Ana Paula Tavares nasceu na Huíla, Sul de Angola, em 1952. Manual para amantes desesperados. Editorial Caminho, 2007)

domingo, 13 de abril de 2008

Qual será o tempo ideal?

Minha filha faz 17 anos hoje. O tempo parece que passou rápido, desde o nascimento, em 1991. Tantas coisas aconteceram de lá pra cá, e apesar dela ser 'tão menina' já tem uma história que dura 17 anos - 'foge o tempo, irreparável !!!'.
Ela quer fazer uma tatuagem.
Tatuagem? Não poderia escolher um presente mais prático?
Uma tatuagem envolve tantas reflexões!! Reflexões estas que ela já fez, antes mesmo de oficializar o pedido. As tatuagens trazem em si um valor simbólico. A opção dela, não menos diferente, tem a intenção de representar a sua posição em defesa da vida, de maneira ampla e em especial, em relação aos animais. Escolheu um golfinho, como porta-voz dessa mensagem que ela pretende traduzir em imagem. A imagem do golfinho vai circundar o tornozelo, que envolve e representa o seu abraço e a sua aliança em torno da causa. (Bonito isso, fico pensando cá com meus botões).
Contudo, tatuagens envolvem reflexões também para as mães: fico pensando sobre o tempo para se fazer tatuagens: 17 anos me parece muito cedo... Pensamentos de ordem moral ou apenas temores comuns às mães, de que uma marca assim possa, pela exposição, vir a ser objeto de diversas interpretações? Que mãe quer isso? Difícil ligar o 'dane-se' nesse momento e tantas outras preocupações me ocorrem. Sei que a atitude dela não é leviana - Ela é muito responsável com os seus compromissos, sempre muito ética e organizada, apesar dos 17 anos. Será só uma preocupação de uma mãe zelosa? Quero crer que sim. Estou entre: é muito jovem, por ter apenas 17 anos e é muito responsável, apesar dos seus 17 anos. Conflito de mãe...só pode ser.

Ainda não cheguei a uma conclusão. Penso que a imagem vai fortalecê-la ainda mais nas suas decisões em favor da vida. Por enquanto esse argumento tem sido o suficiente para o 'sim', então, já a presenteei.
Parabéns Larissa, pelo dia de hoje, mas sobretudo pela pessoa que você já é.
Besinhos carinhosos.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Caixinha e Gergelim *

"Essa busca de seu próprio clown reside na liberdade de poder ser o que se é e de fazer os outros rirem disso, de aceitar a sua verdade. Existe em nós uma criança que cresceu e que a sociedade não permite aparecer; a cena a permitirá melhor do que a vida." (Jacques Lecoq)
"Clown se traduz por palhaço, mas as duas palavras têm origens diferentes. Clown, no inglês, segundo Ruiz (1987), está ligado ao termo camponês “clod”, ao rústico, à terra. Já palhaço vem do italiano “paglia” (palha), usada para revestir colchões: a primitiva roupa do palhaço era feita do mesmo tecido grosso e listrado do colchão. Outra origem é “palhaço” na língua celta, que originalmente designa um fazendeiro, um campônio, visto pelas pessoas da cidade como um indivíduo desajeitado e engraçado (Masetti,1998). Para Fellini (1986), o palhaço é mais de feira e praça, o clown de circo e palco. Tessari coloca que, tanto na língua comum italiana quanto na linguagem especializada do espetáculo, hoje não existe nenhuma diferença entre a palavra palhaço e a palavra clown, pois as duas palavras se confluem em essências cômicas. A primeira, no entanto, é usada, às vezes, como insulto, significando estúpido, ridículo e exibicionista, ou para indicar o cômico do circo."
Extraído de: http://www.clown.comico.nom.br/clown.htm

* Vi a dupla em uma performance no SESC Campinas, em 2007. Eles são bárbaros.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Da chegada do amor

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse
o que sentisse.
Sempre quis um amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexado pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.
(Elisa Lucinda)

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Tempo

Tempo
sem amor
e sem demora
Que de mim
me despe
pelos caminhos fora.
(Sophia de Mello Andresen)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Um conto delicioso.

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612
- É.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é...
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é...
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos?
- É.
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha?
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu?

Este texto está no livro O analista de Bagé.

Percebeu que eles ainda nem praticavam a 'coleta seletiva'? :)

quarta-feira, 2 de abril de 2008



A iniciativa da Fundação PLMJ - instituída pela sociedade de advogados de José Miguel Júdice em doar à cidade de Lisboa a escultura 'Eu sou como você' do artista Rui Chafes é a demonstração de que a arte não só é necessária mas tem que ser democratizada e incorporada à vida cotidiana. Ações como esta valorizam e requalificam o espaço público de modo geral, e, nesse caso, ainda em especial, teve o objetivo de resignificar o espaço para onde foi destinada*.
O artista Rui Chafes, que expõe regularmente desde os anos 80 e é um dos mais importantes escultores da sua geração, aceitou o desafio da Fundação PLMJ para realizar uma peça para ser colocada numa das avenidas principais da cidade de Lisboa. Sou Como Tu é uma enorme escultura na linha de outros trabalhos recentes do autor apresentados, por exemplo, na exposição individual no ano passado na Galeria Graça Brandão. A obra utiliza o material de eleição do autor, o ferro, para convocar noções aparentemente opostas, como leveza e transparência.

Que a escultura seja como aqueles que a vêem, significa que o seu corpo é idêntico ao corpo humano e, sobretudo, que entre tudo o que existe se pode estabelecer uma relação de semelhança. As diferenças são de intensidade, de linguagem, de expressão, de matéria. Ainda que se trate de uma obra de grandes dimensões, a harmonia e integração com o lugar que ocupa é bem sucedida. Não é uma intromissão monumental, nem um gesto extravagante. A sua característica principal é a leveza e, nas palavras do artista, é "uma visão fugaz."(Nuno Crespo - DN online)
"Todas as forças da Natureza são Uma força, apenas.”
A escultura de Rui Chafes, como todas as formas contraditórias e em transformação que encontra no mundo visível, comunga dessa força e contribui para a revelar."


*A obra está colocada em frente ao Edifício Eurolex, na Avenida da Liberdade nº 224, a sede da própria PLMJ.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Pessoa...plural e única.

“O bom português é várias pessoas - reza um fragmento inédito.
Nunca me sinto tão portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim - Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa e quantos mais haja havidos ou por haver”.
"Devaneio entre Cascais e Lisboa. Fui pagar a Cascais uma contribuição do patrão Vasques, de uma casa que tem no Estoril. Gozei antecipadamente o prazer de ir, uma hora para lá, uma hora para cá, vendo os aspectos sempre vários do grande rio e da sua foz atlântica. Na verdade, ao ir, perdi-me em meditações abstractas, vendo sem ver as paisagens aquáticas que me alegrava ir ver, e ao voltar perdi-me na fixação destas sensações. Não seria capaz de descrever o mais pequeno pormenor da viagem, o mais pequeno trecho de visível. Lucrei estas páginas, por olvido e contradição. Não sei se isso é melhor ou pior do que o contrário, que também não sei o que é. O comboio abranda, é o Cais do Sodré. Cheguei a Lisboa, mas não a uma conclusão."
(Bernardo Soares - Livro do Desassossego) ... e eu, a única conclusão a que chego é que ambos são maravilhosos: Ela, Lisboa e Ele, Pessoa.