domingo, 23 de agosto de 2009

Do que Nada se Sabe

A lua ignora que é tranquila e clara
E não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
Coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
Ao abstracto xadrez como essa mão
Que as rege. Talvez o destino humano,
Breve alegria e longas odisseias,
Seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absorta
E truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
Que eu sou? Que cume pode ser a meta?



Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"
Imagem: Só a lua sabe quem eu sou...(Pedro Sousa)

domingo, 16 de agosto de 2009

Nostalgias geométricas.



Eu fiz um samba quadrado pra você sentir
Que quanto maior a distância
Maior é o fim
Eu fiz da rua escura
Pedaço de lua pra te iluminar
Eu fiz de versos mais rimas

Palavras e cismas
Pra te chatear
Eu fiz samba quadrado pra você voltar
Eu fiz da viola a desculpa
Pra me consolar
Eu fiz do ontem o hoje
E do hoje o amanhã
Pra te ver aqui
Mas é bem melhor
Para o mundo eu chorar
Pra você eu mentir
[...]

Milton Carlos e Isolda - Samba quadrado
Imagem: Reflexos Geométricos - Luanabr disponível em: http://br.olhares.com/reflexos_geometricos_foto720980.html

domingo, 9 de agosto de 2009

O padre que sonhou andar pelo ar*


“O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará.”
Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724)


Há 300 anos, Bartolomeu de Gusmão fez voar um pequeno balão de papel que permitiria dominar o mundo. Hoje, Lisboa homenageia o homem que inventou a passarola.
Há três séculos, Bartolomeu de Gusmão, um jovem luso-brasileiro, nativo de Santos, sonhou construir um "instrumento de andar pelo ar". E decidiu oferecer o incrível prodígio a D. João V...
[...]Quando, a 8 de Agosto de 1709, o jovem santista procedeu à bem sucedida e histórica experiência "no pátio da Casa da Índia, diante de S. Majestade e muita fidalguia e gente, com um
globo que subiu suavemente à altura da sala das Embaixadas, e do mesmo modo desceu, elevado de certo material que ardia, e a que aplica o fogo o mesmo inventor", pareceu, então, que tudo não passara de um pequeno e divertido truque do jovem Bartolomeu.

[...] O facto de o Brasil ter acenado à metrópole com uma inovação "tecnológica" de tal monta toldava a lógica da superioridade cultural face à colónia sul-americana: vindo de quem vinha, maculado pela traição de um fiel servidor e protegido de Sua Majestade, e pela propalada apostasia de última hora (a renúncia ao catolicismo), o facto de voar, não sendo ave nem anjo, exponenciou em muito o alarme político e teológico em torno de tão "diabólico" artefacto"...


JOAQUIM FERNANDES - Historiador (Universidade Fernando Pessoa) e autor do livro 'Mitos, Mundos e Medos. O Céu na Poesia Portuguesa' a publicar em breve pela Temas & Debates

sábado, 1 de agosto de 2009

Faz-me o favor...



Faz-me o favor
de não dizer
absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor,
muito melhor!
Do que tu.
Não digas nada.


Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.


Imagem: http://br.olhares.com/espelhos_ii_foto776896.html - GeO Mendes

Poesia: Mário Cesariny