quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Namoro


O melhor do namoro, claro, é o ridículo. Mas o Alcyr se passara. Chegara a um extremo de ridículo. Chegara a uma apoteose do ridículo. Ou como você chamaria ter que imitar um cachorro para não descobrirem que era ele no quintal, louco de ciúmes, embaixo da janela da namorada, numa fria noite de agosto? O Alcyr exagerara. Alcyr, que Suzana chamava de Ipsilone, porque aquela fora a primeira coisa que ele lhe dissera.
- Ipsilone.
- Hein?
- Alcyr. É com Ipsilone.
- Ah.
Ela estava preenchendo um formulário para dar entrada no seu pedido, algo a ver com um crediário, não interessa, e precisava de todos os seus dados.
- Estado civil?
- Solteiríssimo.
Daí para a pergunta "Que horas tu larga?" e o convite para tomarem um chope foi um pulo, e do chope para o namoro firme foi outro. Suzana ouvia cantadas e convites o dia inteiro, não era dessas, mas simpatizara com o Alcyr. O Alcyr parecia não ser como os outros. E o ipsilone, sei lá. O ipsilone no nome dele lhe dava uma certa segurança.
- Desliga você.
- Não, desliga você.
- Você.
- Você.
- Então vamos desligar juntos.
- Ta. Conta até três.
- Um... Dois... Dois e meio...
Ridículo porque não era você. Ou era você, e só agora, visto desta distância, ficou ridículo. Porque na hora não era não. Na hora nem os
apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra?, eram ridículos. Pisilone. Suzuca. Alcyzanzão. Surussuzuca. Gongonha (Gongonha?). Mamosa. Purupupuca...
Não havia coisa melhor do que passar tardes inteiras num sofá, olho no olho, dizendo:
- As dondozeira ama os dondozeiro?
- Ama.
- Mas os dondozeiro ama as dondozeira mais do que as dondozeira ama os dondozeiro.
- Na-na-não. As dondozeira ama os dondozeiro mais do que etc.
E, entremeando o diálogo, longos beijos, profundos beijos, beijos mais do que de língua, beijos de amígdalas, beijos catetéricos.
Tardes inteiras. Confesse: ridículo só porque nunca mais. Depois do ridículo, o melhor do namoro são as brigas. Aconteceu com o Ipsilone e a Suzana. Brigaram e brigaram feio. Várias vezes.
Aí ela ligava para ele e não dizia nada, e ele:
- Eu sei que é você. Está me controlando, é? O que é, se arrependeu?
Ou ele ligava para ela e, assim que ela atendia, desligava.
Quem diz que nunca, como quem não quer nada, arquitetou um encontro casual com a ex ou o ex só pra ver se ela ou ele está com alguém, ou pra fingir que não vê, ou pra ver e ignorar, ou para dar um abano amistoso querendo dizer que ela ou ele agora significa tão pouco que podem até ser amigos, está mentindo.

Está mentindo.
Imagem: http://br.olhares.com/sera_que_e_namoro_foto401808.html
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Correio Braziliense. 13/06/1999.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Imaculada


Meu castelo é a casa da fazenda onde teço minha lenda
Sei, meu príncipe virá
Esse sonho bom que me alimenta a espera é menos lenta
Se o desejo delirar
Eu prefiro assim pois com essa esfera
Domo a fera que há em mim
É Imaculada,

a semente do prazer

rosa ardente,

cor florescer
A criança deixa o paraíso

fadas,

córregos,

sorrisos
A pureza virginal
Planta no seu seio

adolescente

a maçã e a serpente
Do pecado original
Quero ser mulher no lugar e hora
Que meu príncipe quiser
E assim conquistada pela espada do querer
continua a ser imaculada.


Música: Elba Ramalho.

sábado, 12 de setembro de 2009

Economia e generosidade

Dá de ti! Quanto puderes:
O talento, a energia, o coração...
Dá de ti para os homens e as mulheres
Como as árvores e as fontes dão...
Não somente o sapato que não queres
E a capa que não usas no verão.

Darás sem refletir, sem ser notado
De modo que ninguém diga: “obrigado”
Não te deva dinheiro ou gratidão.
E com espanto, notarás um dia,
Que viveste fazendo graças,
De talento,
energia
e coração.



Giuseppe A. Ghiarone: Jornalista e Poeta
Imagem: Bromélia

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Lusofonia

O Crocodilo andou, andou, andou. Exausto, parou, por fim, sob um
céu de turquesa e -
Oh! Prodígio
- transformou-se em terra e terra
para todo o sempre ficou. Terra que foi crescendo, terra que foi se
alongando e alteando sobre o mar imenso, sem perder por completo,
a configuração do crocodilo. O rapaz foi seu primeiro habitante e
passou a chamar-lhe Timor, isto é, Oriente.
(Mito timorense: O Primeiro Habitante do Timor)1


Floriram cravos vermelhos
Estrelas brilharam
E em Loro Sae
Tudo cheirava a liberdade
Mas de repente escureceu
Então Xanana acendeu a chama
Levando sua gente a guerrilhar

Muitos morreram
Todos sofreram
Mas a vitória chegou

Valeu lutar

O mundo aplaudiu Xanana
Também os heróis sem nome
E belo Dom Ximenes
Festejou com as Falintil

Era o sol a brilhar
Era a luz que surgiu
É a paz, é o amor, Gusmão
Eu gritei do Brasil
Viva o Timor Leste!

Nasceu mais um país irmão!

Viva Timor Leste: Martinho da Vila e Rildo Hora
Martinho da Vila é um legítimo representante da MPB e compositor eclético, tendo trabalhado com o folclore e criado músicas dos mais variados ritmos brasileiros, tais como ciranda, frevo, côco, samba de roda, capoeira, bossa nova, calango, samba-enredo, toada e sembas africanos.Seu espírito de pesquisador incansável, viaja desde o disco 'O canto das lavadeiras', baseado no folclore brasileiro, lançado em 1989, até o mais recente trabalho 'Lusofonia', lançado no início de 2000, reunindo músicas de [...] países de língua portuguesa.
Timor-Leste, país de colonização portuguesa até os anos 70 do século passado, tornou-se de modo violento colônia da Indonésia, e assim permaneceu, durante as três últimas décadas do século XX, até que se
tornou país independente.

Imagem: Uma flor que quer olhares - Pedro Ivo http://br.olhares.com/uma_flor_que_quer_olhares_foto2074017.html

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A uma criança que dança no vento




Dança aí junto ao mar;
Que te importa

O rugido da água, o rugido do vento?
Sacode a tua cabeleira
Molhada de gotas de sal;
Tu que és tão jovem ignoras
O triunfo do néscio, não sabes
Que o amor mal se ganha e logo se perde,
Nem viste morrer o melhor operário
E todos os feixes por atar.
Por que hás-de temer
O terrível clamor dos ventos?






William Butler Yeats: nasceu em 1865, na cidade de Dublin na Irlanda. Poeta e dramaturgo, foi laureado com o Prêmio Nobel e Literatura em 1923.

sábado, 5 de setembro de 2009

Melodia Sentimental


Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem
E correm o espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor
Acorda, vem olhar a lua
Que dorme na noite escura

Querida, és linda e meiga
Sentir meu amor e sonhar.



Composição Dora Vasconcellos / Heitor Villa-Lobos
Imagem: MUBE - Grafite

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira
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