Cheguei em casa chateada, no retorno da aula. Dei boa noite aos filhos e enquanto me desvencilhava da bolsa, sacola, apostilas, etc... alarmei:
- Gente, vocês não fazem ideia do que me aconteceu hoje, na aula da Corinta.
Fizeram carinhas de surpresa e de dozinha da mãe, porque quando faço essa introdução, já sabem que em seguida vem algum fracasso. Sem mais suspense, entrei logo no assunto, dizendo que na aula a professora nos contou como eram confeccionados os ovos de Páscoa no seu tempo de infância, em sua cidade, no Rio Grande do Sul. Ao contar, ela foi ilustrando a conversa nos mostrando os ovinhos que ela e o Vanderlei (seu esposo e professor também) tinham feito. Dentro da embalagem comum de ovos, havia ovinhos decorados, cada um de um jeito diferente e o que tinham em comum é que, ao serem oferecidos, traziam em si a demonstração de carinho a alguém de quem se gosta. Destacou que alguns haviam sido feitos especialmente para os seus orientandos e que os demais seriam sorteados entre os presentes. Nem preciso dizer que eles anteciparam que a contemplada fui eu, com um ovinho a escolher: todos bonitinhos, pintados com esmalte de unha de diferentes cores e formas e recheados com amendoim moído. Empolgada com o resultado do sorteio, escolhi o que me chamou mais a atenção: cheio de florzinhas coloridas, que tinha sido feito pelo Vanderlei. Contei passo a passo da minha alegria ao ganhar aquele mimo, do cuidado que tive com ele e de como o meu sentimento se equilibrava entre o medo imenso de derrubar (então eu o apertava) e o medo que ele quebrasse (então eu afrouxava a mão). Era uma pequena jóia. Porém, não demorou muito e...
Ah, sim, ia me esquecendo: tive tempo de fazer uma espécie de ninho com dobradura de folha de caderno e encaixei-o para que ficasse ainda mais seguro, sem que rolasse ou trincasse em minha mão. Enquanto cuidava para segurar o ovinho na dose certa, equilibrava o caderno, a caneta e fazia as anotações sobre a aula. Claro que lembro pouco da aula porque só pensava no momento de chegar em casa e mostrar aos pimpolhos o produto da minha sorte. É pena, mas durou pouco a minha alegria de tê-lo ganho.
Nem sei como dizer, mas ele saltou do ninho...como em câmera lenta...fui acompanhando o seu percurso, da mão até sua explosão no chão... revelando o conteúdo e o odor delicioso do recheio de amendoim. Foi magnífico. Ele realmente caiu com classe, explodindo em cacos e em cores, semelhante aos fogos de artifícios no céu...mas em direção oposta. E eu... fiquei perplexa entre o vexame dos maus tratos com o presente (tão cobiçado) e a frustração de chegar em casa sem ter o ovinho inteiro para representar o trabalho dos professores e quanto de história havia ali, concentrada naquele pequeno território. Murmúrios de lamento... e seguiu a aula.
Não era o caso de interromper a explicação da professora e atrair pra mim a atenção.
Os sentimentos de vexame, de megera, de mal agradecida, de 'mico', já tinha sido o bastante e foram só meus. Em termos. Solidariamente, minha amiga Edna veio em meu socorro, juntando os cacos, literalmente e me auxiliando na recolha dos fragmentos, enquanto as colegas próximas me confortavam dizendo: Não ligue, afinal, você teve o gosto de ganhar, de tê-lo nas mãos... Contive o choro e lamentei com elas. De lembrança, levei algumas amostras das florzinhas, nos pedacinhos que consegui juntar. Do recheio de amendoim, sobrou só a memória do cheirinho...
Encerrei meu relato, cercada pelos filhos, num forte abraço e a exclamação resignada: êh, mãe...
Ciclo encerrando, pensei eu. Mas os filhos foram mais adiante (surpreendam-se também!).
No dia de Páscoa, recebi uma caixinha de papel, artesanalmente elaborada e ao abrir....dois ovinhos, que seguramente passaram por um processo semelhante de carinhosa elaboração, coloridos e recheados com paçoca. Do lado de fora, um bilhete com a recomendação:
CUIDADO, FRÁGIL.
Como sempre , um bonito post .
ResponderExcluirTantas e tantas vezes tratamos algo que gostamos com o maior dos carinhos , fazemos de tudo para cuidar desse bem como se fosse único no mundo , deixamos de olhar os outros apenas para cuidar desse mesmo, e sem sabermos porque nem entender as razões esse bem precioso cai no chão em mil pedaços.
Apesar de saber muito bem o que você sentiu naquele momento, penso á mesma que ninguém merece tamanha injustiça.