“[...] uma coisa é engarrafar a água do mar; outra é engarrafar o azul das ondas. O que você quer do mar não é água salgada, quer o azul. Não dá pra botar numa garrafa. Você tem que levar a essência, o valor”.
Eu lia entrevista com Tião Rocha na Revista Caros Amigos, que o Guilherme gentilmente sugeriu e encontrei, nesse recorte, um outro sentido para o Festival Literário que realizamos no sábado, na escola.
Era sábado após o almoço. Chegavam para o Festival aqueles que poderiam ser mães, avós, pais, irmãos menores, amigos ou vizinhos. Pessoas que raramente se vê, naquele momento percorriam espaços de um território protegido. Vinham, portanto, cautelosos e apreensivos.
Cruzavam com as gentes da escola que, no corre-corre, tentavam finalizar a exposição dos trabalhos, deixando indefinida a fronteira entre o término de um e o início de outro.
Momento efêmero de darmos vistas ao que temos feito juntos - adultos, crianças e jovens.
Dentre as obras selecionadas que se enfileiram pelo corredor em varais, umas desvelam através de parlendas, os primeiros passos da leitura inferida.
Em pequenos textos, de quando a escrita já dá mostras de ser um ato de coragem, em que as primeiras letras desafiantes buscam um percurso criando o caminho no próprio caminhar, outros já demonstram repertório de escrita e de literatura;
Outros ainda, os textos coletivos, retrato solidário de quem viveu junto certas emoções e que se reuniu em roda pra recontá-las (porque têm muito o que dizer), são registros de episódios que ficarão na memória de um currículo muito maior, que não pertencerá à escola, mas à infância.
Nas paredes, desenhos e colagens; cartazes e painéis de diversos tamanhos e formas rompem com o branco-azul-igual de todo dia.
Do teto descem móbiles de bois-bumbás, ímpares na expressão e acabamento, mesmo recobertos de mesma chita;
Em contraste com as grades de ferro, a leveza das espirais dos boitatás mudam de cor ao vento e não oferecem medo, mas simpatia;
Do mesmo teto e ao mesmo vento, os grandes painéis se agitam e denunciam em sua vitalidade, a intimidade da adolescência com sua maneira própria de ver o mundo, revelando gostos, desgostos, prazeres e angústias nos textos e nos desenhos;
São meninos e meninas tão iguais em jeitos e gestos, tão diferentes em suas histórias de vida, muitas vezes desconhecidas, por nós;
Ao sol escaldante do pós-almoço que ardia a quadra, optamos pelo grande salão, decorado com livros de literatura infantil. Cuidadosamente embalados, exibem-se frente-e-verso e bailam no ar provocativos tal qual iguaria, que apetece e atrai por ser desconhecida, prazerosa e inusitada.
Abrimos com o Hino Nacional.
Sem mastro, improvisamos um ponto na parede e instalamos a Bandeira (com todo respeito) e dois meninos se alternam pra mantê-la visível ao público enquanto cantamos.
Postei-me na extrema diagonal do espaço reservado pra ser o ‘palco’.
Com a visão privilegiada de todos os presentes eu vi olhos brilharem ao som das músicas e ao movimento das danças apresentadas pelas crianças e jovens. Era muito mais do que representar bem os movimentos e falas ou músicas ensaiadas;
Eram crianças e jovens vivendo e promovendo emoções;
Eu vi risos e lágrimas. Orgulho. Emoção contagiante;
Eu vi corpos que se movimentavam, querendo sair de si;
Eu vi os flashes das máquinas tentando capturar momentos fortuitos.
Eu vi...E me emocionei.
Não sei quantos eram, daqui ou de lá, quem era palco, quem era platéia...
Seguramente, pra esses sujeitos, esse projeto de escola teve sentido.
Quem veio, quem viu, provou, não apenas a água salgada, mas pode levar nos olhos o verdadeiro azul do mar.