domingo, 9 de novembro de 2008

Registro e poder


"[...]quando pensávamos que a realidade estava sob controlo, que ela muda de novo. Mudou da Idade Média para a Idade da Razão e agora está a mudar para a Idade da Mente. Na era do livro, o controlo da linguagem foi sempre privado, mas com os media electrónicos o controlo da linguagem torna-se público e oral. Com o advento da Internet temos o primeiro meio que é oral e escrito, privado e público, individual e colectivo ao mesmo tempo. A ligação entre a mente pública e a mente privada é feita através das redes abertas e conectadas do Planeta. A reacção entre o individual e o colectivo está a mudar, assim como as regras que governam associações de indivíduos.
O processamento da informação começa com a linguagem falada. A linguagem ainda é o mais poderoso código disponível e vai permanecer como o principal pelo menos no futuro previsível. Não é só um projecto tecnológico mas também um projecto biológico, de evolução.
A espécie (humana) tem florescido com ele, faz parte do cérebro e é uma parte fisiológica do corpo humano, algo que é muito profundo e misterioso. Tudo o que afecte o desenvolvimento e crescimento da linguagem, afecta também o crescimento e desenvolvimento da inteligência.
A evolução da inteligência humana acompanha a evolução não apenas da linguagem mas ainda das tecnologias que suportam e processam a linguagem. A primeira destas tecnologias é a escrita, embora se possa conceber que a origem da linguagem tenha estado na prática da associação de sons às actividades da sobrevivência diária, é a escrita que armazena estes sons para usos mais duradouros. Ao serem fixadas pela escrita, as práticas orais pertinentes e selectivas obtiveram a consistência e a fiabilidade que permitiram ao código linguístico adquirir a oportunidade de desenvolver-se para além do uso comum. Escrever dá a capacidade aos homens para arquivar, expandir e explorar a linguagem como um controlo simbólico e prático sobre a natureza. A escrita, que é sempre o âmago de elementos específicos da civilização, parece actuar como uma espécie de “amplificador da inteligência” e dá origem a explosões repentinas na aceleração cultural.
Os códigos alfabéticos são muito mais poderosos do que os silabários porque, em vez de analisarem as línguas faladas em termos de sílabas pronunciadas, levam esta análise ao nível dos fonemas individuais. Isto reduz o número de caracteres necessários para a representação das palavras ditas e também elimina as ambiguidades nas complexas contracções silábicas. Quanto mais simples e mais fiel o código, mais poderoso se torna ao garantir um controlo consciente sobre a linguagem."


KERCKHOVE, Derrick de (1997) A Pele da Cultura; Lisboa; Relógio D´Água
Imagem: A persistência da Memória - Salvador Dali, 1952-54 - The Salvador Dalí Museum (Reynolds Morse Colection), St Petersburg, Fl, USA.

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