sábado, 27 de março de 2010




"Seu navio carregado de ideais
Que foram escorrendo feito grãos
As estrelas que não voltam nunca mais
E um oceano pra lavar as mãos
"




Chico Buarque.
Imagem:Grãos II, de Rui Vaz.http://br.olhares.com/graos_ii_foto1864371.html

terça-feira, 16 de março de 2010

Meu cajueiro...


"Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio.
- Adeus, meu cajueiro! Até à volta!
Ele não diz nada, e eu me vou embora.
Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: "Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças..."


Há um Cajueiro ao lado do estacionamento, no prédio da Faculdade de Educação, na Unicamp. Não sei se as pessoas que passam por ali, diariamente, o reconhecem. Ele está entre outras plantas, árvores diversas, frutíferas e ornamentais.

Comigo, foi amor à primeira vista, logo que o identifiquei entre as tantas árvores daquele espaço. Isso já vem há alguns anos e sempre dedico um tempo a olhá-lo detalhadamente. Um observador atento perceberia que lanço um olhar de ternura a ele: o seu tronco, as suas folhas, as suas cores...

Também a minha relação com o texto é muito especial: ele fez parte das minhas leituras de adolescente e eu lembro que o li muitas vezes, que até o sabia 'decor'. Eu incorporava aquela tristeza da despedida e me emocionava com a generosa oferta dos doces feitos com o caju que ele produzira...e confesso que ainda me emociono... Entretanto e curiosamente, eu nunca havia visto, ao vivo, as flores de um cajueiro.

Hoje, qual não foi a minha surpresa... eu vi que ele está carregado de flores, como essas que o poeta descreve: 'cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio'. Examinei-as, cuidadosamente, pra conferir se a imagem que construí na adolescência, correspondia à realidade.
E não é que parecem mesmo!!

A imagem postada não corresponde às flores do cajueiro da Unicamp, mas fico devendo e ainda vou trazer fotos dele e postar aqui.

O cajueiro de Humberto de Campos, plantado pelo poeta na sua infância, ainda é vivo e tem mais de 100 anos.


Um amigo de Infância - Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba (atual Humberto de Campos) MA em 25 de Outubro de 1886.http://www.aliancaabc.org/humbertodecampos.htm

sábado, 13 de março de 2010

Vai um cafezinho aí?

Já vai pra cozinha e coando o café
Ela grita: João, levanta que é hora



"...e, de uma hora para a outra, houve uma terrível baixa no preço do café. [...] fecharam-se as exportações. Centenas e centenas de sacas de café foram incineradas e no ar de todo o Brasil respirava-se uma fumaça escura, ardida, a fumaça dos sonhos de todos os cafeicultores."
Contava a minha mãe, grande contadora de histórias, que seu pai, o meu avô Bepo, enlouquecera, em consequência desse episódio que é um marco na história econômica. Com a quebra da bolsa de valores, a baixa nos preços levou os cafeicultores à incineração da produção, porque já não havia mercado para o produto. Nem consigo fazer ideia do que se passou com aquela gente toda, mas segundo a minha mãe, o meu nono perdeu o juízo e já não falava 'coisa com coisa' depois daquilo. A economia se restabeleceu, mas a família ficou marcada pela perda de um ente querido e o fim de muitos sonhos de uma vida melhor.
Contudo, há um casamento de amor e desamor, de sucessos e de fracassos, entre os brasileiros e o café, que se evidencia na composição da nossa rede histórico-sócio-cultural, desde a colonização até os dias de hoje, como um dos nossos principais produtos.
Minha mãe não chegou a conhecer a lenda árabe das cabras que comiam as frutinhas vermelhas e saiam dando saltos, figura essa que pode ilustrar tão bem a rota do café pelo mundo; o episódio grave que acarretou na morte do meu nono também não foi empecilho pra que ela desenvolvesse uma especial preferência pelo café. O hábito pelo 'cafezinho', carinhosa e merecidamente como é chamado, foi desenvolvido em nossa família e é comum, até hoje, no decorrer do dia, o aroma de um café fresco nascer na cozinha e se espalhar pela casa...
Fazendo uma analogia à 'uma casa portuguesa, com certeza' onde ficam bem o pão e o vinho sobre a mesa, eu diria, que o aroma do café associado ao odor das nossas casas, é a combinação perfeita e é o que melhor nos representa, como a referência de memória de "uma casa brasileira, com certeza".

Vai um cafezinho aí? LP

Trecho do Poema-monólogo "O dia de uma mulher " (José Fortuna). Disponível em http://www.josefortuna.com.br/
Excerto do livro "O Sonho acabou?". ANJOS. Clementina Malagolini dos, página 15. 2ª edição. Editora do Brasil S/A.
Imagem:
Cereja e flor de café: http://www.illy.com/wps/wcm/connect/2704b2804718c2a7b851fd1825132230/la-fioritura-300x196-thumb.jpg
A história do Café:
http://www.abic.com.br/scafe_historia.html
Referência à música (fado): Uma casa portuguesa, da autoria de V.M. Sequeira e Artur Fonseca e voz de Amália Rodrigues.