segunda-feira, 10 de maio de 2010

Vou contar tudo pra minha mãe...


Essa frase é velha conhecida. Comum na infância do 'meu tempo' quando estávamos nos anos iniciais da antiga escola primária, era comum pronunciarmos nas situações de conflito.
A função desse enunciado era polivalente. Nos fortalecia perante o adversário ao nos revestir de uma retaguarda com muito mais poder de fogo do que nós. Franzinos, pequenos e briguentos por qualquer motivo (uma figurinha, uma bolinha de gude, um pedacinho de lanche diferente, um carrinho feito de tampinhas de refrigerante e latinha de 'massa de tomate') fosse na rua, na volta da escola ou até nas confusões em casa, nas habituais brigas com os outros irmãos e irmãs mais velhos que cuidavam dos mais novos enquanto os pais cumpriam as suas jornadas na roça.
A frase poderosa também colocava mais um elemento na briga, elemento esse que, mesmo sendo a responsável por nossa educação e o fazia com rigor, ao evocarmos a figura materna, ela entrava como a valente, a poderosa, a vingativa, jogando por terra toda a sua tentativa de fazer de nós pessoas de bem. Muitas vezes, ela nem chegava a tomar conhecimento do conflito em que nos metíamos e intimidava, por certo o adversário, porque no auge do sentimento de injustiça, havíamos profetizado: a coisa não ia ficar assim...
Com o passar do tempo, à medida em que fomos nos revestindo dos vernizes sociais, as frases carregadas de efeito que usávamos na infância foram sendo substituídas por outras que nos configuram como pessoas crescidas e menos rabugentas.
Adulta, família constituída e morando distante da casa materna, muitas vezes me percebi ainda dependente, senão da frase, mas da atitude: ir à casa da minha mãe e 'contar tudo'.
Algumas vezes enfatizando em como a vida tem me feito vítima de injustiças ou aquelas causadas por mim própria; as situações em que me sinto enfraquecida e frágil, perante inimigos simbólicos e outros sentimentos bons como os sucessos alcançados no dia a dia, as alegrias das conquistas dos filhos, etc... ao contar tudo pra minha mãe, exteriorizava e os reconfigurava... Ao ouví-la, ia elaborando uma troca e os sentimentos, de pesados, se convertiam em leveza, como se, ao me aconselhar, me ouvir, me elogiar, me criticar, ela tirasse de minhas costas, uma a uma, as pedras que a vida ia colocando... O resultado era que eu voltava de lá mais leve, com um bem estar que não sei descrever.
Celebrar o dia das mães em casa de minha mãe como fizemos ontem, conserva essa aura onde encontro energia semelhante no abraço fraterno dos meus irmãos e irmã. Eles mantém na casa um ambiente acolhedor onde o passar das horas se dá entre boas conversas, as lembrancas e a comida caseira. Retorno melhor, sempre melhor do que vou - renovada e fortalecida.
Já, agora, sem a mãe, impera um sentimento profundo que alterna ausência e presença.
Imagem: 1981 - Seu Kide, Dona Kelé e Dade. Americana, SP.

2 comentários:

  1. Parabens !
    Lindo texto ! Que vem dar-me razão que podias escrever mais.
    Tambem usei esse " vou contar tudo para minha mãe!", infelizmente foram tantas as vezes que não fui escutado, mas tenho que ficar feliz pois ainda posso dizer " vou contar tudo para minha mãe " mesmo que por vezes seja pão em saco roto.
    Sei que não me emociono com o dia da mãe, porque ainda a tenho comigo.

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  2. As mensagens escritas são pensamentos e sentimentos que, muitas vezes, já habitam em nós e que em algum momento, damos vazão.
    "Todos somos escritores, mas uns escrevem, outros não."(Saramago, José)

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