segunda-feira, 7 de junho de 2010

Juntos...mas estranhos.


Enquanto meu amigo, entre amigos, comemora as bodas de prata e o reencontro de outros amigos, no que chamam jocosamente de um 'congresso de ex' eu aqui vou contar sobre dois casamentos duradouros e com perspectivas que eu diria até, deprimentes.

Desde 1987 moro no mesmo bairro, portanto, há quase 25 anos. Muito pouco se mudou em termos de moradores então, conhecemos as famílias, suas trajetórias, seus filhos e alguns netos até.

Nesta 'minha rua' há casais cujos casamentos duram décadas e outros que já superaram a marca das bodas de ouro.

Entretanto, há dois casos especiais que são exemplos desse segundo caso, e que, recentemente, têm tido um desenlace profundamente entristecedor.

Um deles é de Dona Irma e Seu João. Seu João é professor aposentado e desde que lecionava, a Dona Irma, dona de casa, o levava até o portão e ficava esperando ele chegar à esquina, quando ele se virava, acenava um tchau com a mão e ela correspondia. Só depois desse gesto de carinho ele sumia de vista, rumo ao ponto do ônibus. Durante muitos anos essa cena foi observada por nós moradores daqui.

Atualmente, ele tem 90 anos e ela, 86. Ainda fazem caminhadas pela rua: ele um negro de porte alto, esguio e ela um pouco mais baixa e nao menos elegante. Andam lado a lado, em silêncio, tomando o sol da manhã.

Foi num encontro na quitanda, entre uma conversa e outra que ela nos disse que 'ele não anda bem', o Seu João. Já não a reconhece. Mantém ainda a gentileza e se dirige a ela como a uma estranha cuidadora, pedindo licença, por favor e muito obrigado, mas não a reconhece como a companheira com quem viveu a vida a dois. Ela diz isso e apesar da força que demonstra ter, o faz com carinho e a compaixão de quem foi cúmplice e compartilhou com ele bons anos da sua vida.

A outra história eu conto outro dia...

Esse é o momento da Dona Irma e do Seu João, que em breve vão se mudar para um abrigo de idosos na cidade vizinha, onde ela terá pessoas para auxiliá-la a cuidar dele e cuidarão também dela.

Serão pessoas estranhas, por certo, como está sendo ela para ele, nesse momento.


Imagem: Crepúsculo, de Luís Antunes.

Um comentário:

  1. Apesar de ter vivido o amor de novo, lastimo não ter chegado aos 25 ou 50 anos de casado e ser hoje um dos congressistas, no entanto todas as manifestações de amor e carinho são actos que admiro e que felizmente tive a sorte de viver privando com meus avós ate á poucos meses num amor sempre lúcido e onde cada dia existia um carinho diferente.
    Que seus vizinhos possam se cruzar nos olhares por muitos e muitos anos mesmo que privados de alguma lucidez, mas que existem nas palavras sábias da D.Irma .

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