quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Parabéns a você...

Você, não...'senhora'. Era assim que a tratávamos: - Mãe, onde a senhora vai? - Mãe, onde a senhora foi? Essas coisas de filhos dependentes de mãe forte, atuante, dedicada mas enérgica. Os oito filhos: seis mulheres pra serem educadas num regime ditatorial, cidade grande, mundo difícil; dois homens pra serem educados e, talvez por terem tido, ambos, a saúde mais frágil, mimados. Nós, não. Ajudávamos na limpeza de casa, nas roupas, na organização...e ela, que sempre quis ser professora, tinha na mão a batuta e dava o tom, impunha o ritmo, fazia tudo com maestria. Os filhos foram preservados: "Tadinho do Dade!!" "Tadinho do Nino!!"
A sociedade machista tinha reflexos fortes na educação da nossa geração mas encontrava equilíbrio no sistema matriarcal que ela impunha. O pai era cordato, conciliador, afetuoso, bonzinho. Ela era frontal. Capricorniana. Lutadora.
Não bastava todos os problemas que a nossa enorme família já tinha, ela sempre arrumava tempo e jeito de ajudar uma vizinha, uma tia distante, um primo mais distante ainda. Tinha imensa necessidade de se comunicar. Não fazíamos idéia do como, mas ela conhecia gente em todo lugar. Logo já sabia se uma pessoa, desconhecida até cinco minutos atrás, tinha parentes no Quadro (sua cidade de origem), ou em Itápolis, ou em Ibitinga, ou Maringá e conhecia as irmãs, as tias, a prima da prima...enfim. Para ela o mundo e as pessoas eram uma eterna descoberta.

Morreu sem conhecer a terra natal de seus pais, mas tinha 'na ponta da língua' o endereço completo deles, talvez pra um dia, num futuro melhor, ir até lá: Província de Rovigo, Restreto de Ariano, Comuna de Portotole. Foi um sonho que ela não realizou. Outro sonho sim, esse ela concretizou: Escreveu e publicou (e vendeu, e doou, e promoveu...) o livro: "O SONHO ACABOU?" - Ela narra a sua história, que não poderia ser de outra maneira, senão emocionada e bem humorada, bem ao seu estilo. Era uma contadora de histórias por natureza: umas engraçadas, outras apavorantes, outras ainda, tristes. Contava e se emocionava.

Tardes de chuva, sentávamos todos na cama dela e ela recontava coisas que tinha ouvido: histórias de amor que se passavam em paisagens de neve, de muito frio, de rio que congelava; Histórias de vingança, em terrenos de poeira, de fazenda, de cavalos...Histórias de aparições em que o pai viu a mãe dela(que havia morrido há pouco tempo) quando ele atravessava o cafezal, ao voltar do engenho do 'NONO', esparramando toda a 'garapa' da caneca... sempre inéditas, as histórias provocavam novas imagens que iam se registrando à medida em que os nossos olhos brilhavam... desenhando em nossa memória o currículo da nossa infância.

Nesses dias de chuva com trovões e relâmpagos, não se podia por os pés no chão; cobria os espelhos com panos e não nos deixava pegar em objetos de metal, como tesoura, talher, etc...

Era religiosa, temente a Deus, venerava alguns santos. Foi da ordem das 'Filhas de Maria' e mantinha ainda até alguns anos, a medalha e a fita.

Era mística, temia a natureza, as tempestades, as marés, acendia incensos. Sabia rezas à Santa Bárbara pra espantar temporais; sabia rezas pra espantar mau-olhado, 'quebrante', benzia 'íngua' com cinza e faca: 'Íngua te corto...te recorto'...

Bem...não dá mais. De lágrimas nos olhos o texto fica embaçado. Só dá pra dizer ainda que a presença dela está viva entre nós, como se um desenho feito no ar pela batuta, nos aproximasse a todos num grande e fraterno abraço.
Mãe, amamos você e sentimos muito a sua falta.

Um comentário:

  1. Um texto comovente, e sentido ,gostaria um dia de poder ter motivos para escrever algo igual.
    Por motivos diferentes espero que permitas que partilhe tuas lágrimas com as minhas.

    Sobre o livro, que tive o prazer de ler posso dizer que é uma perfeita lição de vida, um manual de amor, perseverança e sabedoria.

    Como já não posso deixar um abraço á mãe, deixo um forte abraço á filha pois sei bem o que se emocionou ao escrever este post e o “ esforço “ que faz para ser ela também uma Super MÂE !

    Serginho

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